sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Memoria, Apichatpong Weerasethakul, 2021

 


Sem querer estragar o prazer de ninguém, até porque não estou muito acompanhado nisto, o “Memoria” devia começar por saudar o espectador com uma legenda a dizer “welcome to the Apichatpong Academy”. Porque é exactamente isso, o filme da sua institucionalização, a sagração do esperanto weerasethakuliano, em diálogo fechado com o museu e as “art crowds”, e a ala mais dada ao tu cá tu lá ("ai o filme do Joe") da "cinefilia internacional". É mais outro cineasta a cair na frente de batalha, morto pela convicção de que só o cinema – seul le cinéma, dizia o outro – é coisa poucochinha, tem que ser “arte” e tem que ser “artista”, e sobretudo tem que se ver que é arte e que é artista, e tal não pode escapar nem ao mais bronco dos espectadores na sala, que no limite é a quem o filme, na sua lógica a+b+c, se dirige. Noblesse oblige, ninguém se institucionaliza sem baixar a fasquia. Só não acontece aos melhores.

Saudades do “Tropical Malady” ou do “Boonmee”, filmes irredutíveis a uma decomposição em partes, todo o contrário deste filme que funciona por acumulação de partes, planos mais ou menos brilhantes (contradição nenhuma existe em dizer que quase todos os planos de “Memoria” são “brilhantes”) em que a única expectativa é ver qual é o truque que lá está guardado, instalações ready-made, espécie de pão de forma daqueles que se compram já fatiados. Um avanço em staccato arbitrário, autómato, de efeito em efeito (aquelas patadas na banda sonora) até ao efeito final (a nave espacial, consumação de “Memoria” como um “Arrival” high brow, Denis Villeneuve de festival).

Naquele plano em que, finalmente, alguma coisa vive (ou alguém: a Balibar, com aquela cara de Charlot gozão a fazer tangentes desafiantes ao regard-caméra enquanto mastiga uma sandes e segura uma lata de cerveja), tem-se a breve esperança de que o filme se volte a interessar pela dimensão infalsificável de uma presença humana. Vã ilusão, no momento seguinte volta a plastificação do mundo. O final até faz, portanto, sentido: quando já não há mundo e só sobra plástico, a nave espacial descola. Provavelmente, para o próximo filme.

Apichatpong, Weerasethamoncul!