Num
texto recentemente publicado nos Cahiers
du Cinéma, onde aproximava (ou afastava) os filmes de John Hughes e os
filmes de Judd Apatow, Serge Bozon conta como o produtor de The Breakfast Club ficou decepcionado
quando o realizador lhe mostrou pela primeira vez a montagem final desse filme:
“it’s a piece of shit; it’s just a bunch
of kids in school talking”. Esperava mais algum picante, e até tinha pedido
muito explicitamente a Hughes (assim como Joseph Levine pediu a Godard, no Mépris, que mostrasse o rabo de Bardot)
a inclusão de planos “com a professora de ginástica em topless”. Segundo o
texto de Bozon, Hughes fez-lhe a vontade, mas de maneira tão propositadamente
ridícula que foi o próprio produtor quem achou por bem retirar esses planos da
montagem final, e ficar apenas com “a bunch of kids in school talking”.
The Breakfast Club foi o segundo filme realizado por Hughes, no ano
seguinte ao da estreia com este Sixteen
Candles. Se recuperamos a história contada por Bozon é
porque ela resume dois aspectos cruciais dos filmes de John Hughes, pelo menos
destes filmes iniciais (Candles, Breakfast, Ferris Bueller’s Day Off e Pretty
in Pink, todos rodados entre 1984 e 1987) que ficaram como peças imbatíveis
de uma “teen americana” para os anos 80: 1) por um lado, são filmes que
trouxeram um novo modelo para o filme de adolescentes, que tinha então, por
exemplo através da série dos Porky’s,
o espectáculo da desbunda hormonal como princípio, meio e fim, e onde era
obviamente indispensável haver professoras de ginástica (ou doutra disciplina
qualquer) em topless; 2) sem excluir a desbunda hormonal, os filmes de Hughes
alargaram o espectro do universo adolescente (até em termos de um retrato
sociológico, que parece sempre justíssimo) a outros domínios, e tornaram-no
matéria de reflexão para as próprias personagens – daí que, já em Sixteen Candles, e embora haja imensas
peripécias, tudo tenda para se concentrar em torno de “a bunch of kids
talking”. “Kids” que estão, no caso de Sixteen
Candles, mais “preoccupied with sex”
do que “occupied”, para glosar um
memorável diálogo do The Moon is Blue
de Preminger. Pormenor que faz toda a diferença. Mas acrescentaríamos ainda um
terceiro aspecto, que também faz uma grande diferença pela sua raridade: um
filme como Sixteen Candles
aproxima-se de uma perspectiva feminina sobre a adolescência, tomada também
como uma espécie de filtro que cria uma distância ao olhar sobre os rapazes.
Não erramos por muito se dissermos que esta delicadeza foi inaugurada por
Hughes. Sixteen Candles, de resto,
quase nasceu por e para Molly Ringwald, a actriz “hughesiana” por excelência,
que praticamente não teve mais carreira relevante para além dos filmes que fez
com Hughes. Ringwald “nasceu” aqui, e o filme com ela. Começando pelo “casting”
enquanto ainda não tinha um argumento definido, Hughes contou que só depois de
encontrar Ringwald é que veio o resto: colou uma fotografia da rapariga na sua
secretária de trabalho, e com ela a inspirá-lo escreveu, durante um fim de
semana, o argumento de Sixteen Candles.
Sixteen Candles abriu assim uma obra curtíssima: a obra de Hughes
como realizador são 8 filmes, rodados entre 1984 e 1991. Depois deles continuou
a escrever e a produzir (nomeadamente Home
Alone, a sua maior bomba comercial), mas como realizador foi só isto. Hughes
(que morreu em 2009, aos 59 anos) era um “beatlemaníaco”, um daqueles que dizem
que a vida “mudou” quando descobriu os Beatles e o Bringing It All Back Home de Dylan, e parece que durante as
rodagens ouvia todos os dias, integralmente, um disco dos Beatles, como rotina
de inspiração ou concentração. O seu impacto cultural não pode, em rigor, ser
medido ao dos Beatles – mas também não pode por isso negar-se que a obra de
Hughes teve, de facto, um impacto cultural: e se o espectador cresceu durante
os anos 80, e está hoje à roda dos 40 anos, é muito provável que tenha sido tocado pelos filmes de Hughes ainda
antes de ter ouvido os Beatles com ouvidos de ouvir. Os arrabaldes de Chicago
(cenário de todos os filmes de Hughes) eram os arrabaldes de Chicago, mas havia
ali uma universalidade qualquer que também dizia (e continua a dizer) respeito
aos adolescentes de outras paragens, por exemplo Lisboa (que, já agora, só viu Sixteen Candles em 1988, recuperado
pela distribuição portuguesa depois do sucesso de Breakfast Club e de Ferris
Bueller’s Day Off). E essa universalidade, para os anos 80, ninguém a
filmou como Hughes, ficou estampada nos seus filmes como em certas canções
“pop” (que de resto abundam, em jeito de “malha”, na banda sonora de Sixteen Candles). Mas ainda a propósito
de canções e dos Beatles, coincidência que é irresistível notar: a banda de
Liverpool fez todos os seus álbuns em 7 anos, entre 1963 e 1970; o cineasta de
Chicago fez todos os seus filmes também em 7 anos.
Coincidências
é que não há nenhuma em Sixteen Candles.
Tudo é premeditação, construção, maturação. Impressiona a quantidade de
personagens relevantes, dos miúdos aos graúdos (os pais e os avós, estranhos
mas não demasiadamente estranhos), e o facto de a galeria de personagens cobrir
toda uma série de “tipos” sem nunca se converter em mera “tipologia”.
Impressiona o trabalho de concentração temporal da narrativa – 24 horas, pouco
mais – e ainda mais aquela longa noite de festas e desencontros onde há de tudo
(excessos, hesitações, estupidez, sensatez, mas sobretudo uma enorme ansiedade
e muito álcool), e depois o regresso à luz do dia, que não é a luz “fria” da
ressaca antes pelo contrário, é a luz que como uma leve tontura vem banhar
todas as personagens numa calma e numa aceitação que antes parecia impossível,
como se o “coming of age” acontecesse assim, literalmente de um dia para o
outro. Dezasseis velas, caramba: não tarda nada são adultos. Sixteen Candles é um dos mais bonitos (e divertidos) adeus à infância
que nos últimos 30 anos alguém fez, e o tempo só lhe caiu bem.
LMO