sábado, 27 de janeiro de 2024

Kangwon-Do Ui Him ("O Poder da Província de Kangwon"), Hong Sang-Soo, 1998

 


A província de Kangwon (pelo meio da qual passa o paralelo que dividiu as Coreias) é uma região montanhosa mas simultaneamente costeira, oferecendo assim “montanha” e “praia” numa questão de centenas de metros. Qualidades que fizeram dela um pólo turístico importante para os coreanos, sobretudo para os habitantes da capital Seoul (que fica relativamente perto). Qual é o seu “poder” especial, então? Aparentemente nenhum, a julgar pelo destino das personagens do filme de Hong Sang-soo – o título do filme é bastante irónico, jogando com as expectativas de “evasão” das suas personagens, que procuram a província de Kangwon para mudarem de ares e tentarem remediar as suas dores de alma. Profundamente melancólico (às vezes, brutalmente melancólico), e atravessado por um manso desespero que “ensopa” as personagens sem que ninguém (nem elas nem o realizador) precise de o gritar, “O Poder da Província de Kangwon” é uma crónica da desolação sentimental, gizada numa espécie de urbanismo desenraizado (como alguém notou, podíamos perfeitamente estar em plena cidade, em Seoul por exemplo) que ao invés de se deixar invadir pela despreocupação “turística” de Kangwon a invade a ela. Os agentes dessa invasão são o par protagonista – que precisamos de tempo para apreender enquanto par, pois Hong Sang-soo oferece meio-filme a cada um deles. Começamos pela rapariga, que apanhamos no comboio em trânsito para Kangwon, mudamos a meio para o homem, que também vai nesse comboio, num processo que não é bem um “flash back” mas antes qualquer coisa parecida com uma “montagem paralela em sequência” – a rapariga e o homem andam ao mesmo tempo por Kangwon, mas não se cruzam, embora haja encontros (com sítios e pessoas) em comum. Ele foi professor dela, e tiveram uma relação. Acabou, e lembraram-se do mesmo para curar o coração partido. “O Poder da Província de Kangwon” mostra o paralelismo desse movimento (e da sua frustração), mas em vez de procurar rimas instantâneas e paralelismos imediatas opta por uma estrutura em que as rimas surgem desfasadas, e precisam de tempo para se revelarem.

Um pouco por isso, o filme funciona numa progressão entre o “anódino” e o que, não chegando a ser “dramático” (ou pelo menos “melodramático”), constitui um clímax no aumento da gravidade do tom – um esvaziamento absoluto, quase sem sentido, friamente exposto, que revela o par de personagens enquanto “figuras da frustração”. A história da rapariga com o polícia rima com o episódio do homem com a prostituta (que termina, aliás, numa desolada cena de sexo – “despacha-te que estou com pressa”). Hong Sang-soo, no que é uma das medidas mais evidentes do seu brilhantismo de cineasta, filma tudo da mesma maneira (planos fixos, enquadramentos “horizontais”), fazendo equivaler o que é “anódino” (um grupo de raparigas, na praia, a cantar e a discutir a letra de “My Darling Clementine” – Hong Sang-soo é alguém que conhece a história do cinema) e o que não é (as cenas de sexo), como se todas as acções das personagens fossem gestos condenados à irrelevância, mera agitação, mero preencher do tempo, face à imponência da perda sentimental que as subjuga. “O Poder da Província de Kangwon” trabalha em dissipação e abandono, mesmo quando parece estar a trabalhar em “escalada” – as montanhas de Kangwon são uma imagem constante (e, no fim, narrativamente importante), mas é como se Hong Sang-soo filmasse para a contrariar, e a linha de força do seu filme fosse, afinal, desesperadamente horizontal.

Citámos algumas cenas, podíamos citar outras (quase sempre “planos-cena”, sem chegarem a ser “planos-sequência”). Quando o homem conta ao amigo o que fez e por onde andou numa viagem passada a Kangwon com a namorada, e o amigo comenta “nunca volto a sítios onde tenha estado com namoradas”. Ou a cena do restaurante onde, a pedido, a canção de Lou Reed passa em “loop” na instalação sonora. Os tempos de corte desses planos são um bom exemplo da secura da montagem de Hong, par perfeito para a neutralidade isenta de sublinhados da sua câmara: ainda o espectador não se apercebeu da carga emocional subjacente ao que se diz e faz em determinado plano, e o realizador já “cortou” e o levou para o plano seguinte. Hong Sang-soo é um notável cineasta.

LMO