Eis os dois primeiros filmes da
série Les Cinéphiles. Não são a
única, nem foram a primeira, experiência de Louis Skorecki como realizador de
cinema, mas são seguramente a mais famosa. Até por, de algum modo não muito
rebuscado, serem filmes que partem também do lugar do espectador – do crítico –
que Skorecki foi durante décadas, e por não ser difícil encontrar ecos,
ligações, sinais de luzes, entre o seu pensamento escrito (antes e depois de
1988) e algumas coisas – algumas ideias, algumas conversas, mas sobretudo
algumas emoções – presentes nestes filmes. Concebida como um par de filmes, a série só se tornou verdadeiramente uma “série” há
poucos anos, quando Skorecki filmou uns Cinéphiles
3, e logo a seguir, aproveitando material não utilizado na montagem desse
“episódio”, um Retour des Cinéphiles.
Louis Skorecki filmou Les Cinéphiles em 1988, sensivelmente
dez anos depois da publicação, nos Cahiers
du Cinéma, de um dos seus mais célebres artigos, Contre la Nouvelle Cinéphilie (artigo que ele “passou” a filme,
artesanalmente, por volta de 1984). Se em 1978 aquilo que Skorecki entendia por “cinefilia” era já
algo que ele considerava perdido, ou pelo menos irremediavelmente transformado,
em 1988 estaria como? Não é pergunta de somenos, quando se constata que Les Cinéphiles 1 e 2 (tratá-los-emos
como um só filme, pesem as diferenças que mais tarde assinalaremos) vivem
absolutamente no presente, no
presente de 1988: fala-se das Asas do
Desejo, de Carax e de Jarmusch, descobre-se em comum uma aversão por Alan
Parker, há mesmo uma desgraçada que gostou muito do “bleu” do Grand Bleu. Não é uma evocação nem uma
reconstituição de um “tempo da cinefilia”. É uma encenação (ambígua) de uma
ideia de cinefilia (ou é esta ideia, e não a encenação, que é ambígua),
recortada num cenário realista e contemporâneo, que faz o “tour” por algumas
salas de cinema (a mais reconhecível, embora Skorecki apenas filme “indícios”,
a da Cinemateca Francesa quando era em Chaillot) indispensáveis no roteiro
cinéfilo de Paris. Uma Paris, de resto, quase “despovoada”, sem personagens
falantes que não sejam as que pertencem à “tribo” filmada por Skorecki. Nalguns
planos, vem-nos a memória daqueles filmes de ficção científica (como o Five de Arch Oboler) sobre um tempo pós-apocalíptico em que… não sobrou ninguém. Numa
cena, um grupo de personagens está diante de um cinema que, dizem, tem há
décadas o mesmo mobiliário, os mesmos estofos, e passa… os mesmos filmes. Ou
seja: a ruína intacta, a ruína que é ruína porque
não mudou. A ambiguidade desta evocação da cinefilia talvez não tenha
melhor síntese do que nessa cena, coberta de solidão (solidão das personagens e solidão dos lugares).
O deserto parisiense amplia a
tristeza, a vaga tristeza que se vai anunciando por entre os diálogos e por
entre os gags, e que se adensa no episódio 2 (o que fala de um
“desaparecimento” e não, como o episódio 1, de um “regresso”), o que abre com a
música de Pinchik (no 1 não havia música alguma), lindíssima de melancolia
indefinível (Skorecki voltaria a ela para o episódio 3 e para o Retour). Por que desapareceu Eric?
Ninguém sabe. Sabemos que há quem – a rapariga que o procura desesperadamente –
lamente muito o seu desaparecimento (mas a outra rapariga, a que gosta do Grand Bleu, não está disposta a ajudar
na busca). Num plano, vemos Eric transformado em fantasma, obra e graça de um
rudimentaríssimo “efeito especial”. Eric
a disparu (é tudo). Outros vão, provavelmente, desaparecer em breve, como
André, o que observa que as pessoas que entram na Cinemateca “têm o ar de quem
está a entrar num crematório” e nos últimos minutos quer sair de Paris, cidade
onde não se pode ir a um jantar sem que os temas de conversa sejam “Carax,
Beineix e Godard”. Aqueles planos no terraço do Libération, ligeiros contrapicados com as nuvens por fundo
(voltar-se-á, em futuros filmes de Skorecki, ao terraço do Libération), são já planos do fim do mundo.
Tristíssimos, estes Cinéphiles são também divertidíssimos.
Impossível separar os dois lados. Praticamente todas as cenas são construídas
em torno de diálogos, por onde passam manias cinéfilas, pequenos “éclats”
teóricos, “slogans” e manifestos, “private jokes” (as referências a “la
revue”…). “Tu m'avais dit que’elle était plutôt Rohmer mais je la trouve plutôt
Sacha Guitry”, diz Jean de uma rapariga a quem é apresentado – e há toda uma
“imago mundi” por detrás de frases como estas. Como já se tinha percebido na
história de Esther, a que “vai ao cinema com qualquer um”, é aí, a uma “imagem
do mundo”, a uma “compreensão do mundo”, que Skorecki quer chegar.
LMO