Young Mr Lincoln, um dos três filmes que Ford realizou em 1939, “desoculta” Abraham Lincoln – que no primeiro plano em que aparece sai da sombra para a luz, com roupas de camponês, homem do povo como qualquer outro, e no último atravessa a colina e a tempestade rumo ao seu destino, ser Abraham Lincoln. Filme de sacralização de um mito fundamental da América, não é um filme histórico, é um filme religioso (como Eisenstein, que na URSS estava encarregue de sacralizar a Revolução, bem percebeu e confessadamente invejou). A História só entra na derradeira elipse, criada pelo raccord entre a saida de campo de Lincoln e os planos da célebre estátua em Washington. Por esse buraco (a distância entre o homem e a estátua) passa a história; o filme precede-a, e o que mostra é uma imagem a fazer-se corpo, e um corpo a fazer-se imagem (sublime Henry Fonda, sempre a trabalhar nesta duplicidade). E sublime John Ford, que opera esta passagem numa espécie de parábola mascarada de “drama de tribunal” (com algo de bíblico: uma mãe impelida a escolher qual dos dois filhos mandar para a forca), precedida duma introdução “rural” e formativa onde está talvez a mais desarmante elipse da sua obra (a morte de Anne). Génio absoluto, e medimos as palavras.