Há muito, muito tempo que não estreava em Portugal um filme de Peter Bogdanovich. A última vez que isso aconteceu foi com Texasville, que chegou a Portugal no princípio dos anos 90 e ficou como o mais belo filme que nessa década por cá se viu. Os filmes seguintes de Bogdanovich, Noises Off... e The Thing Called Love, não chegaram às salas portuguesas, ficaram-se pela edição videográfica. Depois, Bogdanovich passou o resto dos anos 90 sem filmar para cinema (limitou-se a uns quantos telefilmes), até que em 2001 surgiu o “come back” com este The Cat's Meow que agora, felizmente, se estreia.
Bogdanovich, que em finais da
década de 60 e princípios da década de 70 foi uma espécie de “boy wonder” entre
a geração dos “movie brats”, foi também aquele que, dessa geração, mais
depressa ficou para trás. Em Hollywood Ending, o filme de Woody Allen que
ainda está em cartaz, há logo ao princípio um “gag” cruel cuja “punchline”
envolve Bogdanovich, realizador hoje em dia tão “queimado” quanto a personagem
interpretada por Allen. Uma série de falhanços, uma ambição desmedida, e uma
arrogância relativamente ostensiva (Bogdanovich era odiado por quase toda a
gente da “nova Hollywood”, muito por causa das suas amizades “exclusivistas”
com os velhos gigantes como Orson Welles e John Ford) – tudo junto funcionou
como um “cocktail molotov” que pegou fogo à sua carreira. Foi uma pena, porque
Peter Bogdanovich estava seguramente entre os mais talentosos realizadores da
sua geração, além de que a sua cinefilia e profundo conhecimento do cinema
clássico (era o mais cinéfilo e conhecedor deles todos) faziam com que o cinema
de Bogdanovich funcionasse como o mais límpido traço de união entre a “velha”
Hollywood e a “nova”, dos anos 70.
The Cat's Meow não é só o
regresso de Bogdanovich ao cinema, é também o seu regresso, justamente, a uma
temática cinéfila, ele que, até ao princípio dos anos 80, não deixou de filmar,
evocar e refazer quer a memória da Hollywood clássica quer os seus géneros.
Aqui, viaja até aos anos 20, para abordar um dos mais míticos e obscuros
episódios daquela década – The Cat's Meow mergulha-nos em plena “Babilónia de
Hollywood” esse ninho de intrigas e segredos de alcova que fizeram (e continuam
a fazer, vem aí um terceiro tomo de “Hollywood Babylon”) as delícias de Kenneth
Anger. O episódio em causa, sobre o qual rios de tinta especulativa correram
nos últimos 70 e tal anos, é o do célebre fim de semana passado a bordo do
barco de William Randolph Hearst, que culminou com a morte, em circunstâncias
nunca cabalmente esclarecidas, do lendário Thomas H. Ince – o “rival” de David
Wark Griffith na luta pelo título de mais decisivo realizador da Hollywood dos
primórdios.
Pretexto para mera nostalgia
cinéfila? Alguma haverá, sim, e não parece que haja nisso algum mal. Mas The Cat's Meow é acima de tudo uma “period piece” sobre os loucos anos 20
hollywoodianos, enformada por um sentido trágico que é a verdadeira razão de
ser do filme: digamos que o que dissolve a nostalgia é o facto de Bogdanovich
filmar menos um episódio revelador do fim de uma hipotética inocência
primordial de Hollywood do que um conto terrivelmente amoral que nega a
hipótese de Hollywood alguma vez ter tido esse tipo de inocência. O barco onde se
desenrola o permanente carrossel que é aquele fim de semana tem óbvias
propriedades metafóricas: tanto sintetiza “toda a Hollywood” como a retrata
enquanto mundo à parte, regido por leis e motivações obscuras. A lei da selva,
ou a lei do mais forte – William Randolph Hearst, ironicamente, é “promovido”
por Bogdanovich à condição de maior “metteur en scène” da Hollywood clássica.
LMO